Memórias de dor e repressão deixam marcas profundas em nossos corpos, e muitas mulheres passam por processos de castração de seu potencial criativo. Corpos femininos são objetificados e hiperssexualizados, e histórias de assédio são tão comuns que muitas vezes se tornam naturalizadas. Pergunto: você conhece alguma mulher adulta que nunca tenha enfrentado algum tipo de assédio?
Quando direcionamos nosso olhar para as mulheres pretas, como eu, a situação se torna ainda mais complexa. Somos as que mais sofrem violência obstétrica, abusos sexuais e encabeçamos as estatísticas de feminicídio no Brasil. O racismo enraíza um sentimento de auto-ódio, educando-nos a acreditar que nossos corpos, cabelos, pele e rostos são inadequados e que nossa existência está ligada à subserviência.
Encontrei um caminho de cura, autoamor e resgate ancestral na Dança do Ventre. No entanto, o cenário em que iniciei meus estudos era de uma dança rica e potente, inserida em um meio racista. Isso me levou a questionar e expandir meu olhar crítico sobre o que era apresentado.
Um dos meus questionamentos é: por que tantas danças que nasceram entre povos africanos são simplesmente categorizadas como "Folclore Árabe" no mundo da Dança do Ventre? Embora essa categorização inclua danças de outros continentes, a redução das danças africanas a esse rótulo é particularmente gritante.
Ser muçulmano não faz alguém árabe. Por exemplo, os iranianos são majoritariamente muçulmanos, mas são um povo persa. Da mesma forma, falar árabe não define a etnicidade de alguém. Eu mesma falo e escrevo em português, a língua imposta aos meus ancestrais pelos colonizadores, mas isso não me faz portuguesa. A própria ideia de “folclore” é elitista e aplicá-la dessa forma reforça a apropriação e o silenciamento dos saberes africanos.
Movimentos pélvicos e ondulatórios têm ligações com a fertilidade e a geração de vida em várias culturas, sendo parte do que pode ser chamado de “Dança do Nascimento” – um auxílio poderoso para o processo de gestar e parir. Na minha experiência, dançar o ventre foi crucial para compreender meu corpo e confiar em sua sabedoria durante o parto.
Expandindo a percepção de gestar e parir para um nível energético, a Dança do Ventre nos ajuda a acessar nosso potencial criativo e gerar e parir não apenas bebês mas também nossas ideias e projetos, e a seguir o caminho inspirado pelo coração.
Comments