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Envolta em escuridão





Tudo emerge do "vazio". O "vazio" recebe muitos nomes em diferentes culturas, mas aqui o chamarei de "absoluto nada". Ele é a essência primordial do cosmos e o fundamento da existência. As galáxias flutuam nesse espaço imensurável, cuja natureza intrínseca é a escuridão.

A escuridão é o útero de onde tudo nasce, não é inimiga da luz. Pelo contrário, a luz nasce dela, e a ela retorna. A luz é um fenômeno efêmero, com começo e fim. Seja uma lamparina ou o Sol, ambos estão destinados à finitude. A única constante, a única presença eterna, é a escuridão — ela permeia tudo, está em todo lugar. Criatividade, existência e vida emergem desse "absoluto nada", que também pode ser reconhecido como a "escuridão divina".

A demonização da "escuridão divina" e a ideia das trevas como antagônicas à luz são ferramentas de controle e desempoderamento. Esse conceito tem um impacto profundo e prejudicial, especialmente sobre pessoas negras, que carregam na pele a própria escuridão. Muitas das percepções físicas estão enraizadas em ideias metafísicas.



No Tantra, a "escuridão divina" é personificada por Kali e Shiva, que tem domínio sobre "Kala", termo que significa tanto "tempo" quanto "escuro", muitas vezes conferindo à escuridão o atributo da eternidade. É na escuridão que residem as infinitas possibilidades. Ela é a fonte de tudo o que existe, do que virá a ser e do retorno de tudo o que deixará de ser.

Sempre fui fascinada pelas Deusas Escuras, as que nos convidam a dançar com nossas sombras. As que envolvem nossos sentidos de forma tão abrupta e intensa que, ao invés de simplesmente ver, nos fazem fechar os olhos e enxergar o que reside nas profundezas de nós mesmos. As Deusas nos ensinam a farejar o invisível, a ouvir não apenas com a audição, mas com o coração, e a tocar não apenas com o corpo, mas com a alma.


Nos anos 2000, quando iniciei minha jornada no Yoga, tive meu primeiro contato consciente com a Mãe Divina Kali. Muitos se amedrontam diante de sua figura flamejante e ornada por caveiras, mas eu fui completamente preenchida pelo amor que transbordava de seus olhos. Amor que me inundou com um sentimento avassalador de gratidão.

A conexão foi tão profunda que pude ver muito além da imagética que sua representação propunha aos olhares ocidentalizados. Fui acolhida pela ternura de seu abraço materno e envolvida por um universo rico de possibilidades, aquelas que minha mente criativa já havia imaginado, e aquelas que meu ser jamais ousou sonhar.

Kali é como Nut, a Grande Mãe nutridora, cujo corpo de estrelas nos guia e ilumina pelo caminho.

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